sexta-feira, 9 de novembro de 2007

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... deixa-me deitar-te e aconchegar-te. Não, vai dormir, não é preciso. Porquê? Porque não me deixas ajudar-te? Cresci contigo a cuidares de mim, deixa-me fazer-te o mesmo agora. Estou velha, estou cansada. Vocês são tantos, já não sei os nomes. Escrevi num papel, tenho 2 filhos, o F. e a L., tenho 4 netos, tu és uma. O teu nome sei, és a mais velha. Deixa-te estar aqui ao pé de mim, deixa-me cuidar de ti de novo, como quando eras criança. Como quando te fazia doce de abóbora com canela e tu comias até te doer a barriga. Porque é que não queres ajuda agora? Se te pedir ainda fazes doce de abóbora com canela para mim? Como fazias nos fins de tarde em que eu aparecia em casa de joelhos esfolados mas de sorriso na cara. Anda, faz-me lá o doce que depois não vou queixar-me da barriga. E não digas que não posso comportar-me assim porque não sou ruiva como a minha prima. Estás muito magra, sais à tua mãe. No cabelo também, quando ela tinha a tua idade tinha o mesmo cabelo, preto. Não vás para o rio, olha que é perigoso, brinca onde quiseres mas no rio não. Põe ai as amoras, não faças asneiras, deixa que depois lavo-as. Não leias quando te mando para a cama, faz-te mal à vista. Sim, podes ir para o castelo, é bonito não é? Porque é que gostas tanto do castelo? Tens muita imaginação, imaginas duendes, fadas e princesas. Imagina, cria, sonha, sempre. Eu estou velha e cansada. Deixa-me voltar atrás e vou ser melhor comportada, vou esperar que laves as amoras, prometo-te que não vou para o rio ás escondidas e que não vou ler quando são horas de dormir.Vais deixar-me cair de novo sem me levantares? Vais dizer-me que se caio terei que levantar-me sozinha? Sabes, se caires levantas-te. Não vais crescer frágil, não vou deixar. Mimo-te, vou mimar-te sempre, mas nem o vais perceber. Mimaste-me sempre e só agora o percebo. Ensinaste-me a cair e a levantar-me sozinha. Naquele tempo julgava-te demasiado dura. Não foste, nunca o foste.
Deixa-me aconchegar-te. Só desta vez.
Amo-te avó.

6 comentários:

Ana Paula Afonso disse...

Que lindo, Rita. Fiquei com os olhos brilhantes, confesso.

Mathilde disse...

ser eternamente anjinha nunca há-de perder a benção...engrandece-nos a alma,só alguns roçam tal... ;))))

Anónimo disse...

Mana,
eu não conseguiria por em palavras...
fizeste-me chorar.

carla alexandra vendinha disse...

não te imagino de joelhos esfolados,mas é muito muito facil imaginar-te de dor de barriga!Estás tão grande, rita! Tão inteira!

Rosa disse...

:)...

Josuué disse...

Bonito, muito bonito :)