domingo, 30 de março de 2008

Ha duas coisas...

... que gosto neste pais:

1. Quem e hindu e hindu, quem e budista e budista e ninguem tenta converter ninguem.
A religiao nao e definitivamente a causa, nem sequer remota, dos problemas deste pais.


2. A relacao de carinho e proteccao que os nepaleses estabelecem com as suas criancas.
Muita, muita pobreza, mas o filho, a filha, a neta, a irma mais nova, o irmao bebe, estao sempre ao colo e sempre protegidas com olhares atentos, da mae, da avo, da irma, mas tambem do pai, do irmao e do avo. A espontaneidade com que os homens demonstram amor e carinho pelas suas criancas, e surpreendente.


E tirando isto, estamos quase no dia das eleicoes. 10 de Abril.

terça-feira, 25 de março de 2008

segunda-feira, 24 de março de 2008

domingo, 23 de março de 2008

Ausencia

A minha ausencia deste blog e da vida das pessoas que me sao mais proximas, nao foi de forma alguma, planeada e escolhida.
Nao tenho ambicoes a ermita e a minha vontade de socializacao continua intacta e igual ao que sempre foi.
E agora por onde comecar?
Comecar pelo facto de nao ter tido acesso a internet durante uma semana e pelo facto de que quando tive essa hipotese estava tao cansada que nao conseguia raciocinar e os mails para casa limitavam-se ao “esta tudo bem”...
Ah, ja agora, quando cheguei ao distrito que me estava destinado, Dhankuta, tive o prazer de verificar que a minha falta de capacidade com tecnologias nao era o motivo de nada funcionar aqui. O “nada” refere-se a parafernalia de equipamento com que me presentearam em Katmandu.
Demorei 1 semana a descobri como e onde podia ter internet (e nao foi com o equipamento que me ofereceram!), mas apos a descoberta da polvora, faltava-me o tempo. Hoje e dia livre, com uma reuniao ao meio dia e e so. O fim de semana aqui resume-se ao sábado. Domingo toda a gente trabalha, e dia normal de aulas, de reparticao de financas aberta… e um dia de trabalho normalissimo.
Acho que se ficasse aqui mais de 3 meses, isso seria coisa a que nunca me habituaria… fds de 1 dia.
Caindo na tentacao de fazer deste blog um diario, sai de Katmandu e fui para Biratnagar. Esta cidade fica na zona mais oriental do Nepal. A 3 kms da fronteira com a India. E a segunda maior do país e a mais industrializada. Nao e bonita e nao tem interesse nenhum, mas houve uma coisa que me fez ficar feliz quando la cheguei, a quantidade de carros, muito, muito menos carros que em Katmandu e consequentemente, muito menos poluicao. Em vez disso dezenas e dezenas de bicicletas e muitas vacas a passearem por todas as estradas.
A cidade e muito quente… sim, o Nepal tambem tem zonas quentes e planas. A grande maioria da populacao vive nessas zonas, a percentagem de nepaleses que vive nas montanhas e minima quando comparada. O que esta a volta sao campos e mais campos de arroz… e e so.
Depois de mais uma semana de briefings em Biratnagar, vim para Dhankuta.
Dhankuta e uma pequena cidade (ou vila ou aldeia ou pequeno aglomerado populacional ou qualquer coisa com pouco do conceito europeu de cidade), que fica numa regiao de colinas. Melhor, a regiao e considerada como sendo de colinas, mas para mim que sou portuguesa, nascida e criada em Portugal, colinas de 3000m e 4000m nao sao de todo colinas, sao montanhas e grandes! De qualquer forma, aquí o que e considerado montanha e ainda mais alto...
Quando aquí cheguei uma das 1as coisas que reparei e que os rostos das pessoas sao completamente diferentes de Katmandu ou Biratnagar. Ate aqui a grande maioria dos nepaleses para quem olhava pareciam-me indianos, completamente indianos. Tambem estao aqui e nao sao tao poucos como isso, mas para alem desses muitos outros parecem saidos de países de estepes… sao totalmente mongois (e nao sei se esta e a definicao certa, admito a minha ignorancia), de olhos rasgados e sem nada de indiano.
A complexidade social deste país e quase asustadora. A populacao divide-se em castas, grupos étnicos e se outros factores houver para criar diferencas, nao vao ser deixados de lado. Nunca tinha tido contacto com uma sociedade tao rigida, tao estratificada, tao hierarquizada.
As castas… por muito que tente compreender e encarar como uma diferencia cultural, com tudo o que possa ter de criticavel, nao consigo, deixar de sentir repulsa por este sistema. Filho de pedreiro vai ser pedreiro toda a vida, filho de medico, será medico, filho de campones, camponeses… casamentos entre diferentes castas sao raros e desencorajados.
No topo estao os Brahman e os Chhetri (Hindus e homens), depois os Rai (descendentes de tibetanos e de outros povos oriundos de zonas de estepes), na base desta piramide e considerados impuros mas tocaveis estao os mulcumanos e os estrangeiros. No fim e bem no fim, estao os Dalit, impuros e intocaveis. Intocaveis porque sao tao impuros que nao sao sequer merecedores de toque.
A condicao das mulheres e difícil de descrever e quase me faltam palavras porque a tendencia e escrever 2 ou 3 frases cheia de adjectivos. Basta dizer que ser mulher ja de si e um pecado, no caso de se ser mulher e Dalit, o pecado e duplo.
Sou a única estrangeira nesta aldeia, os nepaleses com que trabalho sao exclusivamente homens e sao uma elite, obviamente. O meu assistente e nepales e muitas vezes em vez de falarem para mim e para ele que falam, e uma luta constante para tentar que tentem assimilar o facto de que e com a mulher que tem que falar. Colegas homens que estao noutros distritos, estao bem integrados na comunidade e nos ambientes de trabalho, sao convidados para as celebracoes religiosas e outros eventos que possam acontecer. Nem eu, nem nenhuma das outras colegas que estao em distritos, foi convidada para o que quer que fosse. Nao sao hostis para nos, mas simplesmente somos mulheres e aceitam-nos no ambiente de trabalho porque a isso sao obrigados.
Pessoas que conheci em Timor e que tinham estado em Africa, referiam muitas vezes que os timorenses eran muito fechados. Eu que vivi em Timor 7 meses e que agora estou no Nepal, acho que Timor era um paraíso. Um paraíso com problemas mas um paraíso. Uma sociedade predominantemente masculina onde ainda se compram noivas com bufalos, mas muito mais aberta e propensa a evolucao social e a dar hipoteses as mulheres do que neste país.
Aqui as pessoas em geral sao muito fechadas e a distancia que mantem e grande. Nao se aproximam nem deixam que delas se aproximem. Os poucos contactos mais próximos que consegui ir tendo com nepaleses, deixam perceber que uma vez conquistada a confianca sao pessoas afaveis e que gostam de receber, mas ate la… o caminho a percorrer e longo, mais longo ainda quando se e mulher. A excepcao e sempre a mesma... as criancas, muito mais timidas aqui que em Timor, mas sem palavras.
E depois quem ve de fora nao percebe a aceitacao dos maoístas e o apoio que lhes e dado. Porque e que os maoístas tem um exercito cheio de mulheres e porque e que, ao contrario do que se pensa muitas vezes, nao precisam ser financiados pela China ou por quem quer que seja, porque acabam por vingar como movimento espontaneo e autónomo. Estando aqui e olhando a volta, nao e difícil perceber os porques… E quanto a influencia chinesa, nao me parece que seja assim tao grande, ao contrario do que eu propia pensava antes de aqui chegar. Ha influencia externa sim, mas indiana. Quando se diz que o Nepal e “landlocked”, os nepaleses costumam dizer que essa afirmacao esta errada, porque na realidade o país e “Indialocked”.
Ainda em relacao ao sistema de castas, ja falei sobre esta questao com alguns nepaleses e a ideia que tentam sempre transmitir e que hoje m dia so em alguns meios rurais mais remotos e que existe quem de crédito a esse sistema, porque com a tentativa de democratizacao e com o aumento do numero de criancas a ir a escola e a receber educacao a aumentar, o sistema esta cada vez mais em descretito.
Honestamente, acredito que muito lentamente alguma coisa va mudando na mentalidade destas pessoas, mas este discurso parece-me mais uma tentativa de nao se distanciarem dos sistemas acidentais, de fazer parecer que a estrutura social aqui, afinal nao e assim tao diferente, porque na realidade nao me parece que seja assim tao linear.
O meu assistente disse-me uma vez que ele e a familia tinham adoptado uma menina Dalit. Ontem referi-me a essa crianca como “a tua filha”, ao que ele respondeu: “ela esta la em casa e cuidamos dela, mas filha so tenho uma, ela nao e minha filha”. O nepales responsavel por todo o proceso eleitoral num distrito onde esta uma das minhas colegas, disse-lhe que ela nao deveria cumprimentar as mulheres que fazem a limpeza ao escritorio… estará o sistema a cair de facto em descretido? Nao me parece…
Prometo ir escrevendo mais, sempre que possa, entretanto tenho a dizer que dado o tamanho avantajado deste post, todos aqueles que tiverem a paciencia de ler isto ate ao fim, receberao um presente directamente do Nepal.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Survivor

Hoje descobri que existe uma serie de equimento e tecnologia, de cuja existencia eu nao suspeitava nem em sonhos.
Parece que vou ter que utiliza-la, quer dizer, tenho a secreta esperanca de que nao vou precisar daquela tralha toda e ja tenho alternativas, algumas…
Uma placa chinesa para ter net em quase todo o lado. A plaquinha instala-se no pc e depois puxa-se a sua pequena e fragil atena e net! E caso a zona seja tao remota que esta maravilha nao funcione, “oferecem-nos” uma coisa chamada Bgan, que custa 5000 dolares (em euros seria uma pechincha, visto o preco do dolar), que e um aparelho com uma bussola para acharmos nao sei que ponto, para virar aquilo para depois ter um sinal qualquer a partir de um satelite qualquer… que vai permitir ter net. Isto significa que e possivel ter net no meio da montanha, da selva, do deserto, literalmente em todo o lado.
Deve ser lindo viver numa aldeia sem electricidade, onde so se encontra arroz e lentilhas para comer, para a qual nao ha estradas e se vai a pe ou de burro porque nem ha sitio para o helicoptero aterrar, e poder fazer transferencias bancarias, pagar sei la o que ou enviar emails para casa. Ah, o facto de nao haver electricidade nao e problema, e que dao-nos 2 paneis solares de celulas nao sei que, que custam nao sei quanto e que se poem a funcionar nao sei como.
Claro, mais o telefone satelite, o telefone normal, o radio normal e o radio evoluido de antena gigante.
Falta so falar do kit de campismo… um fogao a querosene que ninguem consegue por a trabalhar (como eu gostava que fosse um camping gaz!), uma lamparina tambem a querosene, um saco-cama, tenda, uma lanterna, um aquecedor e mais umas coisas pequeninas. Ha ainda os packs de racao do exercito frances para alguma emergencia e o kit medico, com umas ligaduras, betadine, comprimidos etc.
O camping kit so pesa 20 kgs. E esta a estimativa porque ainda ninguem se atreveu a pesa-lo
Ah, claro e o computador.
Ah, e as minhas malas.
Ah, e alguma comida para levar para o distrito, para nao estar so a viver de arroz e lentilhas.
E agora pega la nisto tudo e vai para o mato.

PS – As alternativas de que falo no inicio sao velas e latas de atum. Tenho a dizer ainda que o titulo da minha funcao deveria incluir qualquer palavra relacionada com engenharia.

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terça-feira, 4 de março de 2008

De Katmandu

Prometo colocar aqui mais fotografias.
A ligacao aqui e bastante lenta e tempo nao tenho muito. Tenho tido dias de 48 horas...
Dia 10 deixo Katmandu e vou para a regiao de Biratnagar. Uns dias depois para o distrito de Dhankuta.
Adoro os nomes neste pais, parecem tirados de um filme como o Senhor dos Aneis... e so imaginar estes nomes ditos com entoacao de palavra de Tolkien.
Podia escrever um post enorme sobre o que estou achar deste pais, de qualquer forma acho que a minha primeira impressao, e que concerteza o reino xangrila-nirvana-budista-zen-paraiso do treeking, pode existir algures no mundo, mas nao sera aqui concerteza.
A situacao e violenta, instavel, muito volatil. Castas, discriminacao etnica, minas (sim, ha minas no Nepal), grupos armados que ninguem controla, varias linguas etc. A prova que o facto de um pais nao ter sido colonizado nao e sinonimo de paz, desenvolvimento e prosperidade. Nao houve colonizadores a deixar para tras vias de comunicacao ou infra-estruturas, construidas para a sua administracao, nem houve o inimigo comum para expulsar. Nao estou a defender a colonizacao, mas nada e linear. Nada.
Nao e o Congo ou o Chade, mas esta muito, mas muito longe de ser um paraiso.
Nao que nao soubesse ou nao tenha lido antes de decidir vir para aqui, mas a realidade acho que e ainda mais complexa do que eu julgava que seria. Atrevo-me a dizer que e mais complexa que a timorense, o que e completamente discutivel, nem sequer comparavel tenho essa nocao, mas talvez porque Timor foi a experiencia que tive ate aqui, nao consigo, mesmo que inconscientemente, deixar de fazer comparacoes, embora as saiba descabidas e desprovidas de sentido.

PS - Desculpem nao responder de maneira personalizada a cada comentario que aqui me deixam, mas agradeco muito, mesmo muito. So nao o faco porque a ligacao e lenta e o meu tempo curto. Ja agora o facto de os comentarios terem que ser aprovados, e apenas para eu ter a garantia que os leio a todos. Desculpem tambem os textos se calhar menos bem escritos, e nem vale a pena falar do tempo outra vez... mas acho que e melhor que nada..!

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